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Baú do RE-ENTER: Bullitt

O contexto histórico:

Do final dos anos 60 até 1977, o cinema norte-americano produziu, em massa, filmes policiais, filmes catástrofe e filmes pós-apocalípticos. Os policiais eram extremamente violentos e mostravam a América suja e decadente que há muito não se via na tela grande. O sentimento de revolta pela Guerra do Vietnã era exposto em Hollywood. Somente com a estréia de Star Wars, filme com o clima otimista de uma fábula, o cinema deixou um pouco de lado a visão pessimista que imprimia da sociedade americana.


O filme:

Desta safra surgiram filmes como Operação França e Bullitt. Este último estrelado pelo consagrado ator e piloto Steve McQueen. A película mostra o Tenete Bullitt, policial durão, mas com boa convivência com a mídia na cidade de San Francisco, escalado para proteger uma importante testemunha da máfia durante um final de semana. O problema é que depois de um atentado, a tal testemunha morre e para a culpa não cair sobre si, Bullitt resolve investigar para saber o que realmente aconteceu. Em meio a isso tudo, um promotor público que pretende seguir carreira política e dependia do depoimento do mafioso para ascender. Com esse jogo de interesses, Bullitt precisa passar por cima de autoridades para seguir sua investigação.

São vários os motivos que fazem de Bullitt um filme memorável. Entre eles, a ambientação realista da produção. McQueen treinou durante semanas com a polícia de San Francisco para fazer de sua atuação, a mais fiel possível. O filme foi todo rodado em locações reais. Não há cenários construídos. Além disso, McQueen, como bom piloto que era, fez toda a cena de perseguição do filme, considerada a melhor da história do cinema (falo mais dela jajá). A edição do filme também não faz feio. Não por acaso, foi agraciada com um Oscar. A direção de Peter Yates é estilosa. A seqüência de abertura do filme é um misto de excelente edição com direção competente. E, há também, o jazz de Lalo Schifrin como trilha incidental. A música ajuda em muito o filme com seu ritmo hora suave, hora frenético.


A perseguição:

Porém a grande atração de Bullitt é, sem dúvida, a cena da perseguição protagonizada por um Mustang GT (dirigido por McQueen) e um Dodge Charger (o carro de dois pistoleiros). Por pelo menos dois fatores, essa cena é considerada a melhor da história. O primeiro fator está, novamente, na edição. Não há música, e toda a emoção é depositada no barulho dos motores. O outro fator... o filme se passa em San Francisco e os carros estão a velocidades de 100 a 150km/h. Aí, você que está lendo essa resenha dá risada e pensa: “a essa velocidade eu também já andei”. Bem, se você pensa assim é porquê nunca viu San Francisco. A configuração das ruas nessa cidade é um desafio a qualquer motorista. Tente imaginar um prédio de vários andares. Agora imagine as escadas que ligam os andares. Pois é, assim são as ruas de San Francisco. Viu a gravidade da situação? Dois carros em alta velocidade “descendo escadas”. Desviando de outros carros e de pedestres. Não dá pra ser mais impressionante que isso. Sério, é de dar pena do coitado que mora nessa cidade e tem que fazer exame prático pra tirar a habilitação.


Steve McQueen além de passar credibilidade ao personagem, ainda prova ser um excelente piloto, e também alguém com parafuso solto ou que dá pouco valor à vida. Duvido que essa cena fosse feita, da forma que foi rodada, num filme atual. Primeiro que empresa de seguro nenhuma iria assumir a responsabilidade pelos estragos. E depois que nenhum ator de hoje é louco a ponto de se arriscar tanto. Nem Jackie Chan e suas cenas sem dublê.


Isso torna Bullitt um clássico. O compromisso de McQueen com o realismo. Gerou até um documentário, extra no DVD que comprova tudo que foi escrito aqui e mostra como um filme, com mais de 30 anos, pode sobreviver ao tempo, sem parecer ultrapassado e ainda deixar muita gente impressionada.

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Queima-Filme: Thor

Essa é a continuação de uma série de posts que remete aos primórdios deste blog. Sei lá porque parei de colocar situações constrangedoras, mas acho que agora é um bom momento pra voltar a fazer isso!

Pra retomar a série nada melhor que rir um pouco às custas do herói da vez, o Poderoso Thor!

Às vésperas de estrear uma megaprodução nos cinemas, é bom lembrar que nem sempre as coisas foram tão pomposas para o Deus do Trovão da Marvel. Em 1988, Thor uniu forças com Hulk, no longa feito para TV O Retorno do Incrível Hulk, que continuava as aventuras da série televisiva do Gigante Esmeralda.

Por causa do baixo orçamento da produção, é bom nem comentar a armadura mais pra WWF de pobre do que qualquer outra coisa usada pelo Thor, interpretado por Eric Alan Kramer (quem?). O telefilme também traz o alter-ego do personagem nos quadrinhos, Donald Blake, vivido por Steve Levitt, porém em uma adaptação inusitada. Blake, ao invés de se transformar em Thor, chama o personagem ao segurar o martelo Mjolnir e gritar "Odin!!!".

A Marvel tinha a pretensão de usar O Retorno do Incrível Hulk como um piloto para um seriado do Thor. Graças a Odin, isso não aconteceu, poupando o herói de continuar a pagar esse mico enorme.

Confira abaixo uma "luta" entre o Hulk e Thor, e reparem no efeitinho de raio que sai do Mjolnir quando acerta o Verdão.

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Trilhas Marcantes: Máquina Mortífera (1987)

Provavelmente o trabalho mais famoso de Mel Gibson no cinema, a série Máquina Mortífera começou em 1987 e não foi apenas um filme policial. Reuniu talentos como poucas obras populares conseguiram. Na direção, o competente Richard Donner, que trabalhou em cima do roteiro de Shane Black. No elenco, além de Gibson, está Danny Glover, num papel que lhe coube como uma luva. Além disso, a trilha sonora, que funciona como alma do filme, foi composta por três gênios de diferentes estilos. Michael Kamen, grande compositor de trilhas que já havia flertado com o rock alguns anos antes em Highlander, Eric Clapton, que nos anos 80 estava no auge de sua popularidade e David Sanbourn, saxofonista de grande talento que usa o som de seu instrumento para definir a atmosfera de cada tema do longa.

A parceria se repetiu em todos os quatro filmes da franquia e o tema de Martin Riggs, o personagem de Mel Gibson, é o destaque deste post. Imperdível!



Curiosidade: Michael Kamen e Eric Clapton já haviam trabalhado antes na trilha da minissérie inglesa Edge of Darkness, recentemente transformada em filme com Mel Gibson no papel principal.

Ah, e não deixe de conferir uma Cena Memorável de Máquina Mortífera aqui.
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Cenas Memoráveis - Amor à Flor da Pele

Um dos filmes mais conhecidos do diretor chinês Wong Kar Wai, Amor à Flor da Pele mostra um jornalista vivido por Tony Leung, nos anos 60, se envolvendo com sua vizinha Maggie Cheung. O problema é que ambos são casados e a relação proibida acaba revelando mais sobre ambos do que quando estão com seus respectivos cônjuges.

Kar Wai evoluiu a cada filme que dirigiu do final dos anos 80 até o começo dos anos 2000, melhorando sua técnica e adquirindo uma qualidade que o fez se destacar no cinema asiático. Em Amor à Flor da Pele, o diretor chega ao seu melhor momento, unindo edição, fotografia, música e montagem para criar cenas e momentos deslumbrantes. De visual e ritmo, Kar Wai entende muito bem e consegue passar isso a cada cena, economizando em diálogos para mostrar que sentimentos como atração, amor e cumplicidade são universais e não precisam de palavras para representá-los. Uma das cenas que melhor exemplifica isso, você confere abaixo, embalada pela belíssima fotografia de Christopher Doyle e pela música de Shigeru Umebayashi, ambos colaboradores frequentes do cineasta.

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Crítica: Thor & Loki - Blood Brothers

Aproveitando o hype gerado pelo filme baseado nas aventuras do Deus do Trovão, a Marvel lançou no começo do mês, Thor & Loki - Blood Brothers, uma minissérie animada cujos 4 capítulos foram disponibilizados para compra no iTunes. Baseada na Graphic Novel Loki de Robert Rodi e ilustrada por Esad Ribic, a trama gira em torno do Deus da Trapaça quando finalmente consegue conquistar o trono de Asgard. Depois de colocar Odin e Thor na prisão, Loki agora deve enfrentar um desafio ainda maior: o de governar seu recém adquirido Reino.

Apesar de ser vendido como animação, Blood Brothers na verdade é uma Motion Comic de luxo. Ou seja, a arte da HQ original foi mantida e a ela acrescentados movimentos. Embora esteja muito acima da média de seus concorrentes, não deixa de ser estranho e, pros desavisados, pode parecer apenas um desenho animado mal feito. Mesmo as belíssimas imagens criadas por Ribic não conseguem convencer o espectador. Porém, a história faz o esforço valer a pena.

Loki, em seu primeiro dia como governante de Asgard se encontra totalmente deslocado. Como é dito mais pra frente, ele tem enorme talento em conspirar para derrubar um rei, mas não nasceu para reinar. Em seus momentos de tédio e solidão, recorda passagens em sua vida que o moldaram para se tornar o vilão que todos conhecem. Do bullying sofrido na infância por não ser filho legítimo de Odin, passando por suas desesperadas tentativas por atenção, o maior trapaceiro de todos se revela amargurado e frágil. E, numa demonstração dessa mistura de emoções, acaba decidindo executar Thor, embora deixe transparecer que esse nunca fora seu objetivo.

O interessante do roteiro de Rodi é colocar Loki como vítima de seu meio, sem parecer didático ou panfletário demais. Ao contrário, o texto usa de uma ironia cruel conforme a história avança, para mostrar o destino do meio-irmão de Thor. A fraqueza da série, no entanto, é não pertencer à mídia agora usada pela Marvel. Loki, a Graphic Novel, é uma leitura excelente por conter diálogos enormes e quase nenhuma ação. Talvez fosse mais sábio usar como base para uma motion comic, cujo objetivo é divulgar um blockbuster, uma história mais voltada para a ação e menos comprometida em fazer um estudo de personagem. Não que seja ruim, só não é o momento pra isso.

Blood Brothers vai agradar aos fãs de Thor (mesmo o Deus do Trovão quase não aparecendo), por sua fidelidade aos quadrinhos, mas não deve deixar quem conheceu o personagem por causa do filme, ansioso por vê-lo nas telonas. Para estes, quando for lançado em Home Video, talvez seja mais interessante adquirir a versão encadernada da HQ. Vai acrescentar mais peso à estante, pelo menos.
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Rapidinhas

Hobo With a Shotgun - O filme vem da mesma ideia de Machete: um trailer falso criado pra ser exibido antes de Grindhouse, o projeto de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. No longa, Rutger Hauer é um mendigo que chega em uma cidade dominada por criminosos bizarros que vão desde um Papai Noel pedófilo até o chefe de uma gangue de sádicos. Cansado de ver tanta sujeira acontecendo, decide combater o crime munido de uma espingarda. Funciona como homenagem aos filmes B dos anos 70 e 80. Desta última década inclusive, vem a estética do filme, que além de referenciar as produções violentas, também busca inspiração nos quadrinhos adultos da época. A cidade lembra muito Hub City, área de atuação do Questão, por exemplo. Outra referência é a trilha incidental que faria John Carpenter ficar muito orgulhoso. Já a violência do filme chega a ser pornográfica de tão escrachada. O resultado final não é tão satisfatório quanto Machete, o que torna Hobo With a Shotgun um bom exemplo de guilty pleasure.

Splice - Produzida por Guillermo Del Toro, essa ficção científica com elementos de terror mostra um casal de cientistas, interpretados por Adrien Brody e Sarah Polley, "brincando de Deus" ao criar uma espécie totalmente nova, a partir do DNA de vários animais além, é claro, de material genético humano. Há bons momentos no longa, dirigido por Vincenzo Natali. O ritmo lento, a fotografia que privilegia sombras e cores frias e até alguns acertos do roteiro (quando se permite partir pro humor negro). Mas na maior parte do tempo, o filme falha. Não funciona como mensagem e certamente não empolga quando deveria. Isso sem mencionar no comportamento errático dos protagonistas, seja em relação à criatura ou no momento de "epifania" de Brody ao deduzir que Dren (o espécime criado) está "morrendo" (erroneamente, e ele teria percebido isso se tivesse prestado atenção no comportamento da criatura durante cada vez q algo mudava em seu metabolismo) , lá pelo fim do filme. Vale apenas pelo esforço de seu realizador, que precisou esperar alguns anos para que a tecnologia pudesse criar os efeitos desejados.

Sobrenatural - Estreia do final de semana em todo o Brasil, o longa é dirigido por James Wan, responsável pelo primeiro Jogos Mortais. A trama mostra a família Lambert se mudando para sua nova casa, apenas para, dias depois, ver um de seus filhos entrar num coma profundo que os médicos não conseguem explicar. A mãe do garoto, interpretada por Rose Byrne, começa a ser assombrada por visões e entende que há algo mais por trás do que está acontecendo. Wan foge do gore da cinessérie que ajudou a criar e entrega um filme de terror à moda antiga, com todos os clichês que se espera do gênero "casa mal-assombrada" (mesmo o roteiro explicando no último ato que não era exatamente o lugar que estava com problemas). O diretor é competente e já mostrou domínio de câmera na película Sentença de Morte, que apesar de não ser uma obra-prima tem boas amostras da qualidade de seu realizador. Com Sobrenatural acontece o mesmo. Há cenas inspiradas e decisões acertadas de edição e montagem, como os primeiros 15 minutos do filme, cuja a ação gira em torno de Byrne, ou nas cenas em que a intenção é levar ao susto com o menor número possível de cortes. Outro ponto alto é a trilha sonora, que invade o ouvido do espectador como as almas penadas que querem invadir o mundo físico. Por outro lado, se perde um pouco em alguns momentos como na apresentação brusca da personagem de Barbara Hershey ou nos clichês já citados. O interessante de Sobrenatural fica mesmo pro final, no mundo astral, com a opção do cineasta em se manter na "velha guarda", criando a atmosfera simplesmente com posicionamento de câmera e cenário, ao invés de usar computação gráfica. Essa mistura de truques com efeitos práticos acaba vindo em boa hora, numa época em que o espectador já vai pro cinema sem esperar ver algo novo. Quando se vê algo velho que parece ter caído em desuso, a surpresa até que agrada.
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Séries: Que venha o inverno na Távola Redonda

Em abril, a TV paga norte-americana começou a exibir duas séries do famoso gênero "Sword and Sorcery", que nos anos 80 rendeu filmes interessantes como Conan, Excalibur, A Lenda, entre outros. Mas, ao contrário de suas contrapartes cinematográficas, as produções televisivas estão com um público muito mais delineado e buscam, de forma corajosa, agradar aos adultos, ao invés de jovens.

Como chamar atenção de espectadores mais maduros com a premissa de mostrar feitiçaria, reis e aventura? Simples. Adicionando à trama elementos mais comuns a séries históricas como intrigas, traição, sexo e violência. E também subtraindo da equação a inocência e a ingenuidade que geralmente marcam produções do estilo.

A primeira estreia do mês foi Camelot, uma nova versão da clássica lenda do Rei Arthur. Exibida lá fora pelo canal Starz, a série não busca desmistificar a história, como o filme com Clive Owen. Já nas primeiras cenas o espectador é apresentado à Morgana (Eva Green), meio-irmã do futuro Rei da Távola Redonda, exibindo seus poderes num plano para tomar o trono. Depois, a trama apresenta Merlin (Joseph Fiennes), que sai a procura de Arthur para apresentar a este seu destino.

Tentando capitalizar em cima de seus dois sucessos épicos do ano passado (Spartacus e Pillars of the Earth), a Starz não tem medo de ousar com cenas mais picantes ou violentas. Apresenta ainda uma bela fotografia e cenários que, se não são grandiosos como a história exige, não chegam a comprometer, representando bem a decadência do reino e da época.

Os pontos fortes do programa ficam por conta dos dois coadjuvantes já citados. Green e Fiennes adicionam peso e presença à cada cena. A atriz se mostra uma escolha acertada para o papel de Morgana, com suas conspirações e intrigas. Provavelmente ninguém faz cara de desdém melhor que Eva Green. Já Fiennes, que não tem o talento do irmão, pelo menos não faz feio como guia de Arthur e do espectador, contando aos poucos a história do jovem futuro rei.

O que incomoda um pouco é justamente quem deveria ser o astro da série. O ator Jamie Campbell Bower não passa muita segurança no papel. Por mais que o personagem ainda não seja o monarca heroico das lendas, falta uma presença maior do ator. Talvez isso seja corrigido nos próximos episódios. É esperar pra ver. O elenco de apoio até agora também não demonstrou a que veio e não se destaca.

No mais, Camelot se mostra interessante pelo seu roteiro, que apesar de não se basear em nenhuma obra específica, procura se manter fiel à uma história que todos conhecem, ao mesmo tempo que também adiciona elementos novos e outros não tão famosos de outras adaptações.

A grande expectativa de abril, porém, é Game of Thrones, adaptação da HBO para a saga literária criada por George R.R. Martin, constantemente comparado a Tolkien e seu O Senhor dos Anéis. A diferença aqui, é que embora haja inspiração no autor da saga de Frodo e Cia., a história não se deixa levar apenas por alguma busca aventuresca e se foca mais nas intrigas pelo poder dos protagonistas. Ninguém é totalmente bom e os vilões podem surgir por parte de qualquer personagem, já que os motivos pessoais de cada um é que movem suas ações e não simplesmente vilania sem sentido.

Com produção milionária, a série da HBO demonstra seu custo no cuidado com a produção. Direção de arte e fotografia impecáveis, cenários riquíssimos de detalhes e figurino de igual competência fazem Game of Thrones bater de frente com qualquer grande produção pra cinema. A edição de som também é feita com todo cuidado, e o destaque no primeiro episódio fica com a cena pré-créditos, o ataque dos Outros aos Guardiões da Noite.

O elenco conta com Sean Bean (o Boromir da adaptação de O Senhor dos Anéis), que transmite credibilidade ao personagem Eddard Stark, líder de sua família e amigo do Rei Robert Baratheon, vivido pelo competente Mark Addy. Ao contrário de Camelot, Game of Thrones também traz surpresas no elenco de apoio, que parece estar mais a vontade com seus personagens. A maioria tem uma boa presença de tela e não decepciona quando precisa contracenar com algum ator melhor.

Game of Thrones também não se intimida ao colocar na tela uma trama complexa, cheia de personagens, cada um com sua importância, e muito menos ao exibir cenas mais fortes. Afinal é uma série da HBO. O ritmo do piloto, contudo, parece um pouco acelerado. Talvez um episódio de duração um pouco maior pra começar o seriado teria resolvido, dando mais tempo a história para se apresentar. Fora isso, o texto agrada e mesmo precisando mostrar muita coisa em pouco tempo, não fica a sensação de que os roteiristas tentam enfiar uma ou outra trama goela abaixo de quem assiste.

Com boa aceitação por parte da crítica, Game of Thrones acaba de ser renovada para uma segunda temporada, garantindo aos fãs dos livros de Martin, a continuidade da saga que terminará com a publicação do sétimo volume, ainda sem data para sair.

Os próximos episódios de ambas as séries devem trazer mais movimento às histórias, principalmente Camelot que teve uma estreia meio morna, pelo menos em relação à ...Thrones.

Fica a dica pra quem gosta de fantasia medieval acompanhar as duas produções, que embora possam trazer a nostalgia de um estilo pouco explorado recentemente (pelo menos de forma satisfatória, com a Saga do Anel como único grande representante), surgem na TV de acordo com tendências mais atuais de desenvolvimento de personagens e buscando agradar por complexidade de temas ao invés de efeitos ou grandes batalhas.

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Trilhas Marcantes: Forrest Gump (1994)

Dirigido por Robert Zemeckis, Forrest Gump foi mais um filme pra mostrar o talento de Tom Hanks e pra contar uma bela história sobre histórias. A sensibilidade do roteiro, as passagens da vida do personagem-título e todo o drama do longa não teriam força, porém, sem dois fatores: a direção de Zemeckis e a trilha de Alan Silvestri. O diretor de De Volta Para o Futuro entregou um de seus trabalhos mais completos, um verdadeiro clássico que emocionará até as futuras gerações. E Silvestri, parceiro habitual do cineasta criou um belíssimo tema, emotivo quando precisa e épico quando a trama pede grandiosidade.

Impossível não reconhecer, principalmente por ter sido usado recentemente em um comercial brasileiro. Confira abaixo.


Some a isso a trilha com músicas de várias épocas e Forrest Gump se torna não apenas um filme sobre histórias, mas uma ode à contribuição norte-americana para a cultura ocidental.
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Som: Foo Fighters - Wasting Light

Poucas bandas conseguem ficar muito tempo fiéis ao som do início de suas carreiras, principalmente as formadas dos anos 90 em diante. O que muitos chamam de "experimentação", outros preferem nomear como "adequação" à modas da música, cada vez mais passageiras. Por outro lado, grupos que mantém sua sonoridade "imaculada" conseguem também a fidelidade dos fãs, que sempre esperam do próximo álbum a competência habitual, tendo poucas esperanças de se decepcionar. Pois é isso que o Foo Fighters demonstra em seu novo lançamento, Wasting Light, primeiro trabalho inédito do grupo desde Echoes, Silence, Patience & Grace, de 2007.

Mas nem por isso o novo álbum é "mais do mesmo". Aí que está a grande qualidade da banda de Dave Grohl: entender que ser fiel ao som não é ficar preso à ele. E em Wasting Light, embora todas as músicas sejam típicamente do Foo Fighters, há também um gostinho de novidade, nunca deixando as composições caírem na mesmice. Além disso, a banda marca seu retorno ao estúdio com um guitarrista a mais, Pat Smear, que já havia passado pelo grupo nos distantes anos 90.

Bridge Burning, que abre o CD, por exemplo, é aquele rock cru que Grohl sempre fez muito bem, mas também tem um toque de Queens of Stone Age, banda da qual o vocalista participou por um tempo como baterista no começo dos anos 2000. A segunda faixa, Rope, também é o primeiro single e nem por isso tem pegada mais pop. Muito pelo contrário, mantém a linha da primeira música, e ainda tem um refrão impossível de não empolgar.

Dear Rosemary, por outro lado, tem uma levada pop, ou pelo menos de sonoridade mais fácil. O vocalista da banda Husker Du, Bob Mould, faz backing vocal nesta faixa, que lembra um pouco o estilo do KISS dos anos 80, com suas musicas compostas pelo Desmond Child. Mould inclusive evoca Paul Stanley quando este fazia a segunda voz para Gene Simmons.

O CD continua com White Limo, talvez a mais diferente das canções de Wasting Light. Embora muita gente veja Motorhead como referência aqui, principalmente por causa do clipe com participação do Lemmy, o som está mais pro hardcore underground dos anos 90 do que qualquer outra coisa.

Arlandria começa meio grunge, mas é outra música tipicamente do Foo Fighters, com refrão marcante e riffs inspirados. E segue com a balada These Days com sua melodia nostálgica.
Quando menos se espera, Wasting Light já está em sua sétima faixa, sem perder o fôlego. Back & Forth é pra agradar aos fãs de Hard Rock e se une a música seguinte, A Matter of Time, tão nostálgica quanto These Days. Essas três cancões aliás, são pra ouvir com um sorriso no rosto por constatar que a banda ainda tem a mesma energia, mesmo depois de 16 anos de carreira.

Miss the Misery não foge da qualidade mostrada até aqui, mas é a próxima faixa que provavelmente desperta grande interesse de quem acompanha a carreira de Dave Grohl. I Should Have Known marca o reencontro entre o vocalista e seu ex-colega do Nirvana, Krist Novoselic. A canção é de grande qualidade, fazendo jus à expectativa gerada. Além disso, tem uma sonoridade diferente e se torna uma das melhores do CD ao comprovar também a criatividade da banda.

Pra encerrar, Walk, que continua a empolgação de todo o trabalho até aqui. Deixa um gostinho de "quero mais" que os fãs esperam não ter de aguentar mais quatro anos para ter, já que Grohl e Cia. mostraram que ainda são capazes de fazer seu rock and roll sem frescura e com a energia de sempre.

Confira abaixo o clipe de Rope e aqui uma apresentação ao vivo com todas as músicas de Wasting Light

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Crítica: Eu Sou o Número Quatro

A primeira década dos anos 2000 viu crescer o número de adaptações para o cinema de livros de sucesso, principalmente por causa de uma certa saga sobre um bruxo adolescente. Não demorou e todos os estúdios tentaram criar uma franquia que pudesse atingir a maior parcela do público pagante dos multiplexes hoje em dia: os adolescentes. Por enquanto, pode-se dizer que somente Crepúsculo conseguiu gerar o barulho esperado. E é justamente na cola dos vampiros que brilham no sol que Eu Sou Número o Quatro surge, como a aposta da Paramount para seu próprio caça-níquel de origem literária.

Mas o filme, que estreia nas sala brasileiras esta semana, talvez por influência de seus roteiristas, Al Gouh e Miles Millar, acaba buscando mais inspiração em outro produto de alvo adolescente, Smallville. Gough e Millar estiveram à frente do seriado sobre a juventude do Superman por muito tempo. Talvez por isso, mesmo sendo adaptação de um livro, Eu Sou Numero Quatro carregue tantas semelhanças com as aventuras de Clark Kent em Pequenópolis. Nem por isso deixa de trazer boa parte dos problemas que fazem a Saga Crepúsculo ser tão criticada pela mídia especializada.

A diferença na história do rapaz que vem de outro planeta e se vê perseguido pelos algozes de sua raça está em alguns personagens que surgem mais interessantes do que os coadjuvantes do romance entre Bella e Edward. O interesse romântico do jovem alienígena John Smith (Alex Pettyfer), por exemplo, é uma garota com muito mais conteúdo do que a protagonista dos livros de Stephenie Meyer. Claro que isso não salva o longa, que sofre com uma direção desinteressada em criar bons momentos e não consegue gerar expectativas para a batalha no último ato, com efeitos competentes, sem dúvida, mas que aparece na trama na obrigação de dar algum desfecho à obra.

Apesar de comandado pelo novato D.J. Caruso (que tem no currículo dois plágios de Hitchcock, Paranóia e Controle Absoluto), a mão do produtor Michael Bay pesa um pouco mais. A fotografia de Guillermo Navarro lembra, e muito, a dos filmes do diretor de Transformers. A trilha incidental de Trevor Rabin (colaborador de Bay, desde a época dos filmes produzidos por Jerry Bruckheimer) então, nem se fala. As cenas de ação típicas do diretor também fazem parte de Eu Sou o Número Quatro e só por isso deve atrair um maior número de público masculino do que o esperado, afinal, a divulgação não esconde que a produção pesa muito mais pro lado do romance do que pra explosões e efeitos especiais.

Infelizmente, nem mesmo a história de amor chama muita atenção já que é praticamente uma colagem de tudo que já foi contado sobre o garoto deslocado no colégio enfrentando o valentão, fazendo amizade com o nerd e se apaixonando pela garota bonita da turma (que obviamente já namorou o valentão). Não há nada de novo na história que justifique o mínimo de interesse em produzir um filme assim, a não ser claro, ganhar dinheiro em cima de um best-seller.

No final, fica a sensação de que ainda veremos mais aventuras do jovem alienígena, já que os números da bilheteria não foram tão ruins e tanto os atores quanto o diretor têm contratos para continuações. A história talvez melhore com o tempo (o autor dos livros prevê o lançamento de seis volumes de sua saga), mas, se continuar com o mesmo desdém por parte de seus idealizadores pode não sobreviver pra contar, no cinema, pelo menos, o destino dos outros alienígenas que ainda estão vivos. E vai acabar na lista das franquias que só começaram, mas não conseguiram chegar ao fim.
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Crítica: Rio

Atualmente as animações estão divididas em 3 categorias: as da Pixar, que buscam cativar o espectador com histórias inteligentes e visual perfeito, os trabalhos da Dreamworks, que chamam atenção pelo apelo de comédia e sátiras à histórias conhecidas, sem perder terreno na área técnica e todo o resto, que tenta unir um pouco das duas características das primeiras, mas no fim acaba sempre se voltando para fórmulas batidas, embora mostre alguma evolução em termos de qualidade em texturas e cenários. No meio da primeira década de 2000, um animador brasileiro tentou sair da mesmice e criou, junto com outro diretor, Chris Edge, o primeiro Era do Gelo, um filme divertido, com ótimas ideias visuais e com uma trama que agradava tanto adultos, quanto crianças, estratégia adotada pela Pixar e Dreamworks e que funcionou muito bem neste exemplo. Carlos Saldanha, o brasileiro, assumiu o posto de diretor em mais dois filmes da série, que se não foram bons como o original, também não fizeram feio. Por isso, a estreia de Rio, novo trabalho de Saldanha, gerou tanta expectativa. Claro, isso e o fato do longa se passar na capital carioca, mostrando ao mundo um Brasil diferente do que geralmente se vê. Mais alegre e colorido e menos dominado pela criminalidade das favelas.


A história mostra Blu, uma ararinha-azul, último macho de sua espécie, que cresce nos EUA, aos cuidados de uma garota, Linda. Um belo dia, um ornitólogo brasileiro convence a moça a vir para o Brasil e acasalar Blu com a última fêmea, Jade (num erro grotesco de adaptação de nome quando o original seria Jewel) para tentar evitar a total extinção da ameaçada espécie. Chegando no Rio, acabam tendo de enfrentar traficantes de aves, ao mesmo tempo que Blu tenta se encontrar com sua natureza e aprender a voar, como a necessidade o obriga. A premissa é até interessante, a de mostrar como é difícil sair de uma situação confortável para enfrentar a vida sem ajuda de ninguém. O problema é que o roteiro não colabora, e a direção também não se mostra tão interessada em criar momentos interessantes o suficiente pra sustentar a mensagem.


Em cada piada e gag ultrapassada, tem-se a impressão de um esforço enorme pra tirar risadas do público. As crianças adoram por não ter tanto discernimento, e os adultos entram no embalo, mas provavelmente se esquecerão do filme ao saírem do cinema. A trilha sonora só é bem utilizada quando as músicas já são consagradas. Quando entram os temas originais do filme, porém, é um desastre. As músicas não empolgam e as sequências, principalmente a do vilão, Nigel, chegam a ser entediantes.


Outro problema de Rio é Saldanha ter se deixado levar por estereótipos mais do que clichês ao retratar a Cidade Maravilhosa. Tecnicamente está belíssima (a tomada aérea que mostra o Cristo com a cidade ao fundo é magnífica), mas a caracterização dos personagens beira a vergonha alheia. Não do segurança que usa fantasia de carnaval por baixo da roupa, mas do próprio diretor, que mesmo não tendo compromisso com a realidade, parece ter tido preguiça na hora de colocar seu próprio povo pro mundo inteiro ver. Ao invés de tentar usar a criatividade, fez uso de situações banais que, pelo menos os brasileiros que moram no Brasil, já estão cansados de ver.


Infelizmente Saldanha, que tem potencial pra não ficar relegado à terceira categoria de "todo o resto", não conseguiu fazer de Rio algo além disso. E, por mais que as animações da Dreamworks estejam cada vez mais caindo na mesmice, até as produções da casa do Shrek surgem mais interessantes, já que o trailer de Kung Fu Panda provavelmente é mais engraçado que os 90 minutos da animação de origem nacional, mas que nem de longe, mantém o espírito irreverente de um povo, também relegado à "terceira" pelo resto do mundo, mas que nunca perde a chance de fazer boas piadas de si mesmo. Parece que Saldanha está há tempos demais longe do Brasil.

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Balão de Pensamento: Dennis O'Neil e a relevância do povo de pele laranja

No final da década de 60 e começo dos anos 70, o mundo passava por mudanças. Velhos conceitos eram repensados e a juventude mostrava um espírito contestador, pronta para pisotear convenções ultrapassadas. A busca por liberdade de expressão e igualdade foi muito além dos jovens hippies que lotaram Woodstock. Além da música, o cinema, a literatura e várias expressões artíticas foram atingidas em cheio por uma ideologia de mudança. E numa época em que os quadrinhos, mais do que nunca, eram vistos com maus olhos, graças ao impiedoso livro Seduction of the Innocent do psiquiatra Frederic Wertham, jovens escritores começaram a colocar seus ideiais de contestação nas histórias, fazendo com que os super-heróis, símbolos dos valores americanos, finalmente se tornassem relevantes para a formação de leitores que em alguns anos seriam a base daquele país.

Dentre os roteiristas responsáveis por mostrar que quadrinhos poderiam ser mais do que uma leitura escapista, está Dennis O'Neil. Embora tenha começado sua carreira na Marvel, ao impressionar Stan Lee com suas histórias, foi na DC Comics que O'Neil iniciou o que se estenderia até os anos 80 como uma revolução nas HQs, seguida por outros autores como Alan Moore, Mike Grell, Howard Chaykin e Neil Gaiman. Antes dele, Will Eisner já havia elevado os quadrinhos a um patamar mais artístico, mas não era mainstream.

O'Neil esteve à frente de Mulher-Maravilha e Liga da Justiça, mas foi com Arqueiro Verde que mostrou a que veio. Havia anos, o personagem sempre foi taxado de Batman de segunda e o roteirista mudou isso, deixando-o mais ideológico, funcionando de forma muito mais contestadora do que como um simples defensor do crime. Depois, no começo dos anos 70, uniu o vigilante esmeralda com o Lanterna Verde, numa das séries mais influentes dos quadrinhos modernos. O título Lanterna Verde/Arqueiro Verde colocava os heróis viajando pela América e fazendo uma análise das transformações pelas quais o país passava naquele momento. Desigualdade social, direitos femininos, racismo. Tudo discutido de forma muito madura pra época. Foi nesta revista que O'Neil provavelmente escreveu as linhas mais importantes de sua carreira. Logo na primeira edição, um negro conversa com o Lanterna Verde e o diálogo é um tapa na cara de anos de quadrinhos voltados para a mera diversão.

"Eu já li sobre você... como você trabalha para os de pele azul... e como você esteve num planeta qualquer ajudando uns caras de pele laranja... e você fez bastante também pelos de pele roxa! Só sei de uma cor de pele que você nunca deu atenção! Os de pele negra! Queria saber... por quê? Responde essa, Sr. Lanterna Verde!"

O Lanterna abaixa a cabeça e não tem como responder essa pergunta.

A partir daí, o autor juntou a ideia do Lanterna como policial incorruptível unindo forças com um personagem de ideais de esquerda, num contexto realista, para mostrar aos jovens que a América não era apenas a terra de oportunidades que a mídia vendia. Foi nesse título que o Arqueiro enfrentou um problema maior que qualquer supervilão: o vício pelas drogas de seu parceiro mirim Ricardito. Na introdução que faz ao encadernado Grandes Clássicos DC - Lanterna Verde e Arqueiro Verde, publicado em 2006 no Brasil pela Panini, O'Neil explica que suas intenções não eram de dar soluções, mas mostrar que os problemas existiam. Não deixar a juventude cair na apatia e na ignorância, como aconteceu com as gerações anteriores.

Depois, O'Neil recebeu a tarefa de reformular o Batman tornando-o novamente o personagem sombrio que sempre foi. Há uma grande confusão com o Homem-Morcego.Muitos atribuem a Frank Miller a transformação do personagem, mas foi O'Neil quem começou isso. Batman fora transformado em piada graças ao seriado dos anos sessenta e era preciso mostrar que o personagem, um dos mais importantes do universo DC, não era aquela figura caricata. Junto com o desenhista Neil Adams (também colaborador na série Lanterna/Arqueiro), criou personagens como Ra's Al Ghul e Thália e colocou o vigilante de Gotham em situações típicas de um bom filme policial.


Nos anos 80, a DC promoveu uma grande saga, a Crise nas Infinitas Terras, que serviu para reorganizar seu universo e simplificar as coisas para os novos leitores que surgiam. Depois da Crise, os maiores personagens da editora tiveram suas origens recontadas e sua atuação repensada. E outros heróis menores também ganharam sua chance. Foi o caso do Questão, vigilante adquirido pela DC após da compra da Charlton Comics. Inspiração para o Rorshchach de Watchmen, o personagem sem rosto nunca foi muito popular. E O'Neil, que vira seu conceito de tornar heróis relevantes sumir ao longo dos anos, foi o nome indicado para reformular o Questão.

Pra isso, o mostra em sua cidade de atuação, Hub City, um lugar mais sujo e decadente que Gotham. Era a chance que o autor precisava para voltar à velhos temas. Interferência da CIA em problemas no estrangeiro, corrupção e uma aula de marketing político, tudo nas páginas de uma revista que agora viria com o selo de "Sugerido para o público adulto". O Questão de O'Neil também desenvolve ao longo da série, uma filosofia zen e questiona seus próprios atos, fazendo jus ao seu nome.

É num arco de histórias do Questão que o roteirista, mais uma vez, cria um diálogo memorável que atinge a paranóia ideológica americana. Uma conversa entre a candidata a prefeitura de Hub City e o atual prefeito, seu marido:

"-Vaca Comunista!

-Como é?

-As coisas que você diz... como pode dizer isso? Isso é... comunismo!

-Sim... e Thomas Jefferson também era comunista. Homens como você chamam comunismo tudo que não entendem. Assim não precisam pensar. Claro que é triste que não entenda o que eu defendo... conceitos como responsabilidade, honra, justiça. Ajudar os necessitados, os desamparados..."

Nessa época, outros títulos ajudaram a DC a criar um selo adulto que depois viria a se chamar Vertigo. O Arqueiro Verde foi um deles, nas mãos do novato Mike Grell, que seguindo a cartilha de O'Neil, também discutia temas atuais e o mais interessante, colocava o personagem usando cada vez menos seu uniforme.

Durante a década de 90, Dennis O'Neil assumiu o posto de editor da DC e foi responsável por definir o Batman para as futuras gerações como o personagem que é hoje.

Sem as discussões políticas e filosóficas, o roteirista também é muito competente, mas foi na época em que tornou os quadrinhos relevantes, que deixou sua marca na arte sequencial de se contar histórias, mostrando ao mundo que até seus maiores heróis precisavam mudar.

Dicas de leitura:

Grandes Clássicos DC - Lanterna Verde/Arqueiro Verde - Ed. Panini Comics

Questão - Zen e a Arte da Violência - Ed. Panini Comics

http://en.wikipedia.org/wiki/Dennis_O%27Neil

Continua...

Zack Snyder bebeu de uma fonte "Brazileira"

Na crítica de Sucker Punch - Mundo Surreal, ficou bem claro que o diretor Zack Snyder usou de inúmeras referências na cultura pop para criar a trama visual que seu filme se tornou. Mas, engana-se quem pensa que o cineasta bebeu apenas em fontes recentes como animes, videogames e quadrinhos. Uma das maiores referências em Sucker Punch, que se estende inclusive ao enredo é Brazil - O Filme, dirigido por Terry Gilliam em 1985.

A película do ex-Monty Python é uma sátira de humor negro em cima de obras como 1984, que mostram um futuro onde a sociedade vive à mercê de uma burocracia exagerada, bem na linha que os escritores ingleses adoram criticar. Embora em Brazil não exista a figura do "big brother" de George Orwell, a opressão é o sistema em si, em que promoções valem muito mais pelo status do que pela real importância do trabalho.

Mesmo hoje, ou ainda, principalmente hoje, a ácida visão de Gilliam é muito relevante e proporciona momentos hilários, mas ao mesmo tempo, de reflexão sobre onde a sociedade pode chegar ao se deixar mandar por convenções e regras absurdas de comportamento.

Só nisso, o filme de Gilliam é muito mais relevante que o de Snyder, mas a discussão não é essa. O que importa é que visualmente, Brazil também é arrebatador, principalmente levando em conta as restrições técnicas da época.

Entre as referências estão o fato do personagem principal se deixar levar por seus sonhos onde ele é um herói de armadura brilhante tentando salvar uma donzela em perigo. Em um desses delírios, ele enfrenta um samurai gigante (abaixo). Quem viu Sucker Punch sabe que esse é o primeiro desafio de Baby Doll. Aliás, está nos trailers.

















A partir de agora o texto contém spoilers, cuidado.

Mas, é no terceiro ato que a trama de Snyder mais bebe da fonte "Brazileira". Em Sucker Punch, o que não funciona é justamente o final e o discurso exagerado sobre a fuga da realidade. Em Brazil, acontece tudo quase que da mesma forma, com o personagem "fugindo" da prisão em que se encontra pra viver num lugar muito melhor, quase o paraíso se comparado com a opressiva metrópole onde morava. A diferença é que no longa oitentista, a forma como isso é feita é mais satisfatória. E, como se a história já não fosse referência suficiente, a última cena é quase idêntica. Sem querer revelar muito das tramas dos dois filmes, quem já viu Sucker Punch vai entender muito bem as duas imagens abaixo.
















Que fique claro. A referência não é condenável. Muito pelo contrário. É ótimo ver que uma obra muito subestimada na época de seu lançamento, hoje é inspiração pra uma nova geração de diretores. E o melhor, serve também para a audiência do filme conhecer essa jóia do cinema britânico dos anos 80 e mergulhar na viagem de Gilliam, um exercício cinematográfico muito mais completo do que o proposto pelo diretor de Watchmen.

Obs.: apesar do nome, Brazil não se passa em nosso país. Porém, na trilha está uma versão megalomaníaca de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, com arranjo de Michael Kamen.
Continua...

Trilhas Marcantes: A Conversação (1974)

Como se expressa, através da música, sentimentos como solidão, rotina, cansaço, banalidade e paranóia? Sem letra, claro, senão seria muito fácil. Foi essa a missão que Francis Ford Coppola passou para David Shire. A trilha de seu filme A Conversação precisava expor todas as características do personagem vivido por Gene Hackman, um especialista em vigilância que tenta decifrar o significado de uma simples conversa e chega ao que acredita ser uma conspiração.

A música, com elementos de jazz (cujo ritmo está intrínseco à trama), se utiliza apenas de piano, mas tem a força de uma orquestra ao complementar a obra de Coppola como poucas trilhas conseguem.

Continua...

Crítica: Uma Manhã Gloriosa

Em uma cena de Uma Manhã Gloriosa, uma das estreias deste final de semana, o personagem de Harrison Ford, um jornalista das antigas e cheio de orgulho de seu passado, enumera em quantos momentos da história recente ele esteve presente. É replicado pela personagem de Rachel McAdams, que diz: "você está nessa pelo dinheiro". É mais ou menos essa a sensação do público, ainda acostumado a Ford como um ator de grandes filmes, ao vê-lo atuando nessa comédia sobre o trabalho que dá produzir um bom programa jornalístico matutino. Ou, como o diretor Roger Mitchell e a roteirista Aline Brosh McKenna parecem entender, um péssimo programa jornalístico matutino que rende boa audiência.

A trama gira em torno da produtora executiva do tal programa (McAdams) tentando a todo custo mantê-lo no ar, já que, além de não aguentar a concorrência do Daily Show, infinitamente mais popular, ainda tem que lidar com uma equipe nem um pouco entrosada. Para tentar elevar a audiência, ela convence a contratação do figurão do jornalismo interpretado por Ford. O problema é que ele não vê com bons olhos a ideia de apresentar um programa cujo ponto alto é o bloco de receitas ou as entrevistas fúteis conduzidas por sua co-âncora, vivida por Diane Keaton, histérica como nunca.

O roteiro é assinado pela mesma responsável de O Diabo Veste Prada e, como um sintoma de roteirista de um sucesso só, a fórmula é muito parecida. Personagens caricatos, a garota que quer se dar bem no emprego, mas tem de aturar o superior rabujento enquanto tentar conseguir algum resquício de vida social.

Se fosse apenas uma comédia romântica em que todos sabem que o final será feliz, o filme poderia até se sair melhor. O problema é que conforme os acontecimentos são apresentados, fica uma sensação, pelo menos por parte de pessoas de bom senso, de que as coisas não vão acabar tão bem. Isso fica claro na cena em que McAdams discute com Ford e diz que na briga entre o jornalismo sério e o entretenimento, o primeiro perdeu. Ora, em tempos em que a informação está a todo lado, essa discussão deveria pelo menos fomentar um certo senso crítico de quem acha que matérias sobre que roupa de verão se pode usar no inverno, podem ser interessantes. O roteiro, em certo momento, glorifica que o sucesso está no grotesco, confirmando que mais vale um grande número de views no Youtube do que o medidor de audiência da TV.

No começo do terceiro ato, até surge a esperança de que o filme possa reverter o estrago e mostra que um bom furo de reportagem também garante público. Mas, de forma completamente aleatória, o personagem de Ford decide que pode também se "rebaixar" e que se constranger não faria tão mal assim. Provavelmente ele pensou no que McAdams diz sobre ser tudo por dinheiro e esqueceu, confundindo personagem com a vida real, como era muito melhor no tempo em que entreter também poderia ser um emprego digno.

Continua...
 
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