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Crítica: O Besouro Verde

Em 1966, a TV norte-americana via surgir o seriado que se tornaria um fenômeno cultural nos anos seguintes. Produzido por William Dozier, Batman, em uma interpretação “camp”, durou 3 temporadas e ajudou a marcar a imagem do Homem-Morcego como galhofa. Aproveitando o sucesso, Dozier resolveu investir em outro vigilante das ruas. Nascia o seriado do Besouro Verde. Apesar de compartilhar do mesmo produtor, o Besouro era feito de forma mais séria, com histórias envolvendo crimes como assassinato e corrupção, ao invés dos planos malucos do Coringa ou do Pinguim em seu programa-irmão. Durou apenas 1 ano, mas serviu para apresentar aos Estados Unidos um jovem ator chinês, que interpretava Kato, o ajudante do herói: Bruce Lee.

Um pulo no tempo e o ano é 2008. Depois de uma bem-sucedida volta aos cinemas, Batman é finalmente o herói sério e sombrio que sempre foi nos quadrinhos. Com O Cavaleiro das Trevas, o personagem ganha uma roupagem madura e muito além do que a maioria das adaptações de HQs conseguiram ser em várias tentativas. Aproveitando o "hype" gerado por heróis sem superpoderes, em 2009, a Sony resolve trazer de voltar às telonas o Besouro, desengavetando um projeto que datava da metade dos anos 90. O resultado é o filme dirigido pelo francês Michel Gondry, com Seth Rogen no papel-título, que estreou nesta sexta-feira em todo país. Rogen, como todos sabem é um roteirista e ator de comédias. Gondry era um diretor de videoclipes com um forte apelo visual e que na sétima arte entregou bons filmes como Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Rebobine, Por Favor. Obviamente o direcionamento de um filme do Besouro Verde com uma dupla assim no comando seria bem diferente do teor realista do Batman.

O personagem foi criado na década de 30 como um típico herói pulp na linha d'O Sombra. Teve seu programa de rádio, seriados de matinée e histórias em quadrinhos o suficiente pra não ser de segunda categoria, mas caiu no esquecimento depois da sua breve passagem pela TV. Um filme tem sido cogitado há anos e o mais próximo de ser rodado foi na época em que o cineasta e roteirista de quadrinhos Kevin Smith escreveu e quase dirigiu sua versão do Besouro. Seu roteiro não foi totalmente esquecido e vários elementos foram reaproveitados por Rogen, co-autor do novo texto ao lado de Evan Goldberg.

Na história, Britt Reid é o herdeiro de um império da mídia, mas só se dá conta disso, pois passava seu tempo livre fazendo o que todo playboy milionário faz, quando o pai, James (Tom Wilkinson) morre. Ao perceber como sua cidade está sendo vencida pelo crime, resolve sair por aí batendo em bandidos ao lado do ex-mecânico e mordomo de seu pai, Kato (Jay Chou). É o plot padrão de praticamente todo vigilante, mas ao contrário do Batman, o Besouro Verde propositalmente se apresenta como criminoso. O plano até faz sentido. Se os caras maus o entenderem como herói, poderão usar qualquer inocente como isca para matá-lo. Mas se eles o virem como um igual, não terão o que usar contra ele.

Assim como Reid decide ir contra a maré, o filme de Gondry também vai. Enquanto os estúdios tem se esforçado para fazer das adaptações de quadrinhos, profundos estudos de personagem, o cineasta francês comanda uma comédia de ação e que, com a ajuda do texto e do timing de Rogen para o humor, funciona melhor do que algumas produções que tendem a se levar a sério demais.
O filme tem falhas, mas é uma diversão descompromissada e não faz feio nas cenas mais movimentadas. Além disso, conta ainda com a caricata interpretação de Christoph Waltz como o vilão Chudnofsky que tenta ser ameaçador o tempo todo. Embora mal aproveitado, levando em conta o talento do ator, pros fãs do General Landa de Bastardos Inglórios é um deleite. Para os do Besouro Verde, se é que ainda sobrou algum, ficam várias homenagens ao seriado sessentista, e até mesmo a Bruce Lee, feita inclusive de forma sutil e de muito bom gosto.

Rogen e Chou formam uma química muito interessante, principalmente porque o oriental é o único que parece realmente saber o que está fazendo. Em um mundo perfeito, Kato seria o herói e o Besouro, o ajudante. Mas, como Reid é egoísta, em sua mente infantil, ele é o centro das atenções. É nessa abordagem de situações nonsense e baseada na premissa de que os opostos se atraem (sem nenhum tipo de duplo sentido ai) que a comédia está centrada.
Besouro Verde vem em cópias 3D apesar do efeito não se fazer necessário. Contudo, é muito interessante nas sequências da "Kato Vision" usada quando o herói desfere seus golpes precisos e velozes.

Embora não tenha um roteiro que valorize os personagens coadjuvantes (Edward James Olmos é um bom exemplo disso), o longa de Michel Gondry agrada a quem não pensa que todos os filmes de heróis devam ser obras-primas ou sérios demais. Um pouco de diversão nunca fez mal a ninguém e até ajudou o Batman a ser lembrado como "cult".

Curiosidades

* O Besouro Verde foi criado em 1936 por George W. Trendle and Fran Striker como um personagem de para um seriado de rádio. Trendle também criou o Cavaleiro Solitário, outro popuplar herói pulp, mas situado no velho oeste. Os dois personagens, no entanto, compartilham mais do que o criador. O Besouro é descendente do Cavaleiro Solitário, tendo inclusive o mesmo sobrenome. A identidado do caubói, que no Brasil foi erroneamente chamado de Zorro, gerando uma confusão gigantesca durante anos, é John Reid.

* São várias as referências ao seriado dos anos 60 nesse novo filme. A mais notável porém, está no final. A forma que Reid encontra pra mascarar o ferimento de bala após a batalha contra Sanguenofsky (por mais inverossímel que seja) é praticamente idêntica à situação apresentada em um dos episódios da série, The Bad Bet.

*Michel Gondry ficou famoso nos 90 como diretor de alguns dos mais inovadores videoclipes daquela década. E em uma das cenas do Besouro Verde, ele faz uma autoreferência elevando à décima potência uma trucagem de câmera e edição usada no vídeo da música Sugar Water, do grupo Cibo Matto. Assista ao clipe aqui.

*Atualmente a editora norte-americana Dynamyte Comics publica alguns títulos baseados no Besouro. O mais notável é o que adapta do roteiro de Kevin Smith para os quadrinhos. E pros mais puristas, Green Hornet - Year One mostra as aventuras do herói nos anos 30 em Chicago.

*A primeira vez que Britt e Kato saem juntos usando máscaras improvisadas é uma homenagem ao visual dos dois nos seriados pra cinema dos anos 40.
Continua...
 
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