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Crítica: A Invenção de Hugo Cabret

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  • sábado, 18 de fevereiro de 2012
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  • Alexandre Luiz
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  • Apenas alguém completamente apaixonado pelo cinema poderia levar A Invenção de Hugo Cabret para a tela grande. Por sorte a tarefa de dirigir o longa baseado no livro de Brian Selznick, caiu nas mãos competentes de Martin Scorsese, cineasta que é, além de tudo, um estudioso da arte cinematográfica e, como fica evidente ao longo da projeção, um saudosista romântico que, mesmo famoso por filmes violentos, é dono de uma sensibilidade enorme.

    O filme mostra o jovem Hugo Cabret (Asa Butterfield) morando na estação de trens de Paris, após perder o pai (Jude Law) num incêndio. O garoto passa os dias clandestinamente dando corda nos relógios do lugar, enquanto tenta escapar da atenção do inspetor vivido por Sacha Baron Cohen. Hugo, no entanto, tem uma missão a cumprir: encontrar as peças que faltam para terminar o conserto do autômato encontrado anos antes por seu pai. Roubando um pouco aqui e ali, acaba sendo pego pelo dono de uma loja de brinquedos, George (Ben Kingsley) e a sua afilhada Isabelle (Chloe Moretz). A partir daí a trama se desenrola com a dupla de jovens protagonistas tentando descobrir uma forma para o antigo "robô" funcionar ao mesmo tempo que buscam descobrir o segredo mantido pelo velho George. E é exatamente esta a maior força da produção.

    O velho inventor de brinquedos é na verdade George Méliès, o homem que praticamente criou o conceito de efeitos especiais no cinema, com seus mais de 500 filmes que passavam por gêneros como fantasia e ficção científica antes mesmo de haver tal classificação. O cineasta, no filme, está desiludido, triste pelas pessoas não se interessarem mais pelos seus sonhos, como se refere a suas obras. Agora cabe a Hugo mostrar a Méliès a importância de sua arte.

    Scorsese comanda o longa como uma aventura juvenil, cheia de referências a clássicos do cinema mudo. É a história dos primórdios da sétima arte contada por alguém cujos olhos devem brilhar a cada vez que as luzes se apagam e uma imagem é projetada na telona. O livro também foi feito como uma forma de apresentar o cinema à crianças mas Scorsese, por ter o apoio visual e sonoro, dá vida e forma a essa carta de amor aos 24 quadros por segundo que encantam platéias desde o final do século 19.

    Tudo em A Invenção de Hugo Cabret remete à experiência cinematográfica. O mundo através de janelas, que o jovem protagonista vê por detrás dos relógios da estação e a belíssima introdução do filme, por si só uma referência ao cinema mudo, já seriam citações suficientes para qualquer cinéfilo entender a pretensão da história. Mas Scorsese vai além ao mostrar as breves subtramas envolvendo os personagens que se esbarram diariamente naquele cenário, pequenas histórias acompanhadas por Hugo como um ávido espectador dos momentos mais engraçados e emocionantes que ali acontecem. Ou ao usar o som de engrenagens, parecidíssimo com o barulho dos projetores mais antigos, numa amostra da inteligente engenharia de áudio presente na produção.

    Mas o filme tem falhas. São poucas, mas devem ser apontadas. A principal delas, pois pode causar certo desconforto num público menos consciente da proposta de Hugo, é a dificuldade de Scorsese em encontrar o ritmo correto para algumas sequências, tornando-as um tanto arrastadas. Outro problema, que também acaba influenciando no ritmo e na duração do longa, está na presença de alguns personagens, como por exemplo o bibliotecário vivido por Christopher Lee. O veterano é dono de uma presença de tela impressionante mas não acrescenta nada à narrativa a não ser uma epifania de Hugo para explicar que todas as pessoas exercem alguma função no mundo. O roteirista John Logan com certeza conseguiria contornar isso usando outro coadjuvante mais ativo na trama. Por fim, há um momento de extremo didatismo que soa como um breve documentário sobre a origem do cinema. Mas a edição, ao fazer uso de clássicos como A Chegada do Trem na Estação dos pioneiros Irmãos Lumière, e O Gabinete do Dr. Caligari, do expressionista Robert Wiene, entre outros tantos, é muito eficiente e faz o espectador entrar naquela viagem visual e histórica, deixando de lado o choque inicial causado pela estranha mudança de estilo.

    Tecnicamente Hugo se destaca não somente pelo impecável 3D (Scorsese rodou o longa no formato, ou seja, não há conversão aqui), mas pelas imagens externas da Paris evocando a beleza de pinturas ao mesmo tempo que referencia a técnica do matte paiting usada para representar paisagens, tanto urbanas quanto naturais, numa época cuja a simples ideia da criação de cenários virtuais soaria extremamente absurda. Ajudado pela direção de fotografia de Robert Richardson, o departamento de arte tem todo seu trabalho evidenciado pelos criativos cenários, sejam pequenos ou os de grande amplitude, como a biblioteca de cinema ou a própria estação de trem onde o protagonista vive.

    Toda a trama recebe o auxílio da trilha de Howard Shore quando o compositor busca inspiração em várias peças musicais usadas em filmes mudos do começo do século passado. Além, é claro, de típicos temas franceses que permeiam os passeios da câmera pela Cidade Luz. E há o uso da clássica Danse Macabre, de Camille Sain-Saëns, para ilustrar a montagem de filmes antigos citada logo acima e num dos mais belos momentos da película, a projeção de Viagem à Lua, a obra mais famosa de Méliès. Curiosamente, a mesma música desempenha enorme função narrativa no filme A Regra do Jogo, produzido pelo cineasta francês Jean Renoir em 1939, criando uma outra ligação com o cinema clássico, um pouco mais implícita e, talvez por isso, até mais valiosa.

    O diretor ainda encontra espaço para contextualizar a trama como um lembrete de que na origem da sétima arte e na inocência de uma época em que era permitido sonhar, se encontra a essência do cinema, com uma importante mensagem sobre a preservação dessas obras. Só assim as futuras gerações poderão compartilhar da mesma paixão de Scorsese, um amor tão puro e verdadeiro cuja declaração é uma obra-prima.

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