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Crítica: Thor

Durante anos, um dos maiores problemas, se não o maior, das adaptações de quadrinhos para o cinema, era o controle criativo dos filmes ficar por conta do estúdio responsável pela produção. De todas as editoras, a que mais sofreu com isso foi a Marvel, que precisou de quase 40 anos de tentativas para finalmente conseguir entender que, como detentora dos direitos, somente ela poderia dar aos fãs aquilo que eles queriam: versões fiéis e respeitosas ao material original e, além disso, bons filmes. Pra alcançar esse objetivo, a Marvel investiu pesado em sua divisão cinematográfica, arriscando contratações ousadas para comandar suas películas. Jon Favreau, inexperiente com o sistema mercadológico Hollywoodiano, se saiu bem com seus dois Homem de Ferro. Louis Leterrier conseguiu agradar gregos e troianos com O Incrível Hulk, com seus momentos de drama, sem deixar de lado a ação que havia faltado na versão do Gigante Esmeralda feita anos antes sob o comando da Universal. Além disso, usou os longas para criar um universo interligado que espelhasse o vasto mundo de heróis dos quadrinhos e ainda pudesse servir como prelúdios de algo muito maior, o vindouro filme dos Vingadores, o supergrupo que conta com Capitão América, Homem de Ferro, Hulk, Gavião Arqueiro e Thor. E é justamente este último que chega agora aos cinemas brasileiros.

Para levar o Deus do Trovão para a tela grande, a editora mais uma vez mostrou ousadia e contratou Kenneth Branagh, diretor famoso por suas adaptações cinematográficas de Shakespeare, mas que nunca havia filmado um longa de tamanhas proporções em termos de ação e efeitos especiais. A experiência funcionou e o resultado é uma surprodução que empolga não apenas os fãs de quadrinhos, mas também o espectador que procura uma boa aventura para fazer valer o preço do ingresso dos multiplexes da vida.

Thor começa em Asgard, mostrando relances da história de Odin (Anthony Hopkins) e de como seus feitos em Midgard, nome da Terra para os asgardianos, fizeram com que fosse confundido com um Deus. Também apresenta seus dois filhos, Thor (Chris Hemsworth) e Loki (Tom Hiddleston) (na mitologia nórdica, deuses do Trovão e da Trapaça, respectivamente) e as diferenças entre ambos. Enquanto um é impulsivo e arrogante, o outro demonstra mais serenidade e obediência. Os dois, porém, compartilham o sonho de um dia governar Asgard. Na proclamação de Thor como sucessor de Odin, um ataque ao Reino, promovido pelos Gigantes de Gelo, coloca em dúvida a segurança do local. Agindo sem o consentimento de seu pai, o Deus do Trovão e seus companheiros, Sif e os Três Guerreiros, além de Loki, decidem agir, quase promovendo uma guerra. Como punição pela desobediência, Odin tira os poderes de seu filho preferido e o bane na Terra. Isso desencadeia o plano de Loki para tomar o trono de seu pai, revelando suas verdadeiras intenções.

Sem sua força, Thor encontra na Terra a Dra. Jane Foster (Natalie Portman) e seus companheiros de pesquisa, o Prof. Erik Selvig (Stellan Skarsgard) e a estagiária Darcy Lewis (Kat Dennings). Desorientado, busca uma forma de retornar e de conseguir o martelo Mjolnir (sua maior arma) de volta. A partir daí, o filme faz o espectador viajar entre os dois reinos, mostrando paralelamente a ascenção de Loki ao trono e as aventuras de seu irmão no Novo México. As duas tramas se sustentam o bastante para não deixar o ritmo se perder e é essa a grande força do filme. Os personagens humanos são incorporados ao roteiro de forma orgânica e em nenhum momento a atração da Dra. Foster pelo gigante loiro parece forçada. Isso graças a competente interpretação de Portman e ao roteiro, que coloca ambos em situações divertidas e sensíveis. Além disso, Hemsworth evolui durante o filme, mostrando grande carisma e domínio de cena. Por ser um ator praticamente desconhecido, é um feito admirável.

Já nas sequências em Asgard, a interpretação de Hiddleston impressiona. Seu Loki passa do pacato filho zombado de Odin à vilão perverso e vingativo e ainda convence nas cenas em que discute com Hopkins. E isso não é pouca coisa, já que o eterno Hannibal mostra todo seu talento, como de costume, trazendo veracidade a um personagem que muitos poderiam tratar como unilateral, devido a sua natureza de Todo Poderoso.

Contra todas as desconfianças, Kenneth Branagh mostra muita qualidade em comandar cenas de ação e tem nas mãos um fator que diferencia seus filmes de outras adaptações. Thor não se passa em nenhuma grande metrópole americana, mas no árido cenário do Novo México. Isso traz um ar de novidade ao longa e também mostra que uma batalha pode ser de tirar o fôlego sem a destruição de grandes arranha-céus. E quando o diretor transporta a história para Asgard, consegue colocar toda sua experiência teatral em cenários grandiosos e luxuosos, riquíssimos em detalhes que remetem ao visual dos quadrinhos sem parecer uma transposição literal. Vale destacar também a acertada escolha de não criar os Gigantes de Gelo completamente em computação gráfica. Atualmente esse tipo de detalhe adiciona muito a um filme deste porte, mostrando preocupação não só com ação, mas, no caso de Thor, com o trabalho de Colm Feore, que interpreta o líder dos Gigantes, o Rei Laufey. Seu rosto é expressivo demais para ser recriado no computador, arriscando sua interpretação e o resultado final. Detalhes assim, apenas alguém acostumado a produções cuja composição de personagens é fundamental, pode conceber.

Outro benefício de Branagh para o filme é seu histórico Shakespeariano. Quem conhece as obras do Bardo sabe que tragédias familiares são parte fundamental de suas tramas. E o relacionamento entre Loki e Odin remete imediamentamente a isso. Aliás, toda a história do Deus da Trapaça tem forte influência do criador de Hamlet.

Pra não dizer que Thor é perfeito, o filme até tem algumas falhas, principalmente na passagem do segundo para o terceiro ato. O roteiro se apressa um pouco pra chegar no clímax e causa um certo incômodo, mas não o bastante para gerar desinteresse.

No quesito "Universo Marvel", Thor segue a linha de Homem de Ferro 2, com várias referências e participações especiais. A mais interessante é a de Jeremy Renner como o Agente Barton da SHIELD ou Gavião Arqueiro, para os fãs. Como ele estará em Vingadores, foi uma boa sacada apresentá-lo agora, embora o espectador comum dificilmente se lembrará dessa aparição no ano que vem. O "mimo" vai mais para o fã, ávido por esse tipo de coisa. Quem também volta é o Agente Coulson (Clark Gregg), que serve como ponte entre os filmes da editora.

O longa do Deus do Trovão também traz uma novidade ao mundo concebido por Homem de Ferro e Hulk. Antes com histórias voltadas para a ciência, agora existe o fator magia nas produções, o que abre um leque muito maior de possibilidades para o que virá a seguir, colocando os heróis em um cenário muito mais próximo aos quadrinhos, sem aquele compromisso apenas com o realismo, mas também com a fantasia.

A Marvel finalmente aprendeu que um bom filme baseado em seus personagens é fruto de um trabalho conjunto que envolve sua aprovação e controle do material, bem como as qualidades técnicas do cineasta que comandará a produção. Thor é um bom exemplo disso. Aliás, bom o suficiente para tirar qualquer dúvida que paira sobre as futuras adaptações de Capitão América e Vingadores. Quem acertou tanto até agora não deve errar tão cedo.

Importante: Quando for assistir Thor não levante da cadeira até o término dos créditos. Há uma cena depois, como já virou rotina nos filmes da Marvel, que é um gancho importantíssimo para Vingadores e até mesmo para o Capitão América. Se o cinema parar a projeção durante os créditos, reclame e peça para que a cena seja exibida. Ela faz parte do filme e da trama e o ingresso que você pagou se refere à duração total do longa. Então, além de ser parte fundamental da obra, reclamar fará valer seu direito de consumidor.
Continua...
 
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