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Summer Wars - Cybernow na animação japonesa


Com o anime longa-metragem Summer Wars, lançado em 2009 pelo renomado estúdio Madhouse, os japoneses mostram mais uma vez que sabem como ninguém construir narrativas que questionam os limites da imersão tecnológica em nossa vida cotidiana. Exemplos disso não faltam, como os clássicos Akira e Ghost in the Shell, obras que provavelmente deixam William Gibson, o pai da literatura cyberpunk, orgulhoso de suas “crias”.

Mas Gibson já não escreve cyberpunk, que se tornou um estilo ultrapassado devido às previsões tecnológicas que constavam nessas obras de literatura, cinema e animação dos anos 80 e 90 já terem se tornado parte de nossa realidade, mesmo que de forma diferente do previsto em muitas situações. Exemplo disso é o conceito de “mundo virtual”, a Matrix da Trilogia do Sprawl escrita por Gibson e transportada para o filme homônimo de 1999 dirigido pelos Wachowski, marcando o fim de uma era. A partir da virada do milênio, surgiu o movimento “cybernow”, que utiliza os elementos “cyber” em nossa realidade para construir narrativas com o mesmo questionamento de limites tecnológicos, agora com menos jeito de previsão apocalíptica.

É possível dizer que hoje em dia já temos nossos “mundos virtuais”, através das redes sociais como o Facebook, ou ainda de jogos on-line como os MMORPGs ou como a maior tentativa de levar esse conceito a cabo: o já esmaecido Second Life. Nesses ambientes, a pessoa assume a identidade que gostaria de ter, seja selecionando cautelosamente as bandas, livros, filmes e citações de famosos em seu perfil, ou incorporando um avatar bizarro e antropomórfico digno de personagens de videogame. Temos aí um prato cheio para servir de elemento-chave para obras de ficção no estilo cybernow.

Por exemplo, e se a integração de nossas vidas pessoais com um ambiente desses fosse tamanha que pudéssemos fazer tarefas de trabalho, pagar contas e consultar – ou até mesmo gerenciar – serviços públicos ou de empresas, tudo dentro desse mundo na tela do computador? É esse conceito de rede social levado um nível acima que abre o longa Summer Wars, com a apresentação de uma rede chamada OZ, onde avatares de todos os tipos convivem e realizam todas essas atividades que comentei em um ambiente com visual inspirado nas interfaces gráficas da Nintendo.


Mas não se engane achando que Summer Wars é um filme exclusivamente para geeks ou fanáticos por tecnologia. Logo após essa sequência inicial, surge a face humana da animação, quando são apresentados nossos protagonistas: o garoto Kenji – típico estudante nerd tímido de ensino médio – e sua musa Natsuki – uma das garotas mais bonitas do colégio. Usando esses arquétipos tão comuns a animações japonesas, você pode achar que temos aqui mais um clichê no estilo shoujo, mas logo essa desconfiança cai por terra, quando descobrimos que na verdade o outro grande personagem desse longa é a (grande) família de Natsuki, que será responsável pelo paralelo entre as relações no mundo real e no mundo virtual.

Antes que a coisa fique muito confusa, vamos à inevitável sinopse: Kenji, “quase-gênio” da matemática, faz um bico de manutenção na programação de OZ nas horas vagas, enquanto Natsuki surge com o convite para que ele a acompanhe em sua reunião de família anual, onde deve apresentar um namorado à sua avô, conforme havia prometido no ano anterior. O solitário Kenji aceita a missão, e acaba caindo de paraquedas na família que conta com parentes das mais distintas personalidades, profissões e regiões do Japão. Ao mesmo tempo, uma misteriosa I.A. (inteligência artifical) invade e toma conta de OZ, causando como consequência vários problemas no mundo real, o que acaba atingindo a bagunçada reunião familiar de Natsuki. Nesse cenário, mesmo com toda a diferença cultural, é impossível não sentir uma pontinha de comparação com uma típica reunião natalina que temos por aqui.

E esse foi justamente o objetivo do diretor Mamoru Hosoda: criar um filme atraente tanto para quem tem uma família extensa quanto para os que não tem, fazendo isso através do protagonista Kenji, que entra nessa confusão, com todas as brigas, falatórios e também manifestações afetivas, como um outsider, ao mesmo tempo espantado e maravilhado. As relações entre os integrantes da família, inspirada em um clã real descendente de samurais da cidade de Ueno, tornam o que inicialmente aparentava ser mais uma fria narrativa embasada na tecnologia em uma história afetuosa que evoca valores como união, tradição, respeito às diferenças e perdão, sem soar piegas.

Com outro premiado trabalho de animação com temática adulta em seu currículo – A Garota que Saltou no Tempo, produzido também pelo estúdio Madhouse, em 2006, baseado em um livro – Mamoru Hosoda parece cada vez mais à vontade em combinar elementos de ficção científica com ambientações da vida cotidiana. Com Summer Wars, o diretor apresenta um bem amarrado roteiro de própria autoria, já se destacando como um dos grandes autores da animação japonesa desse início de milênio, pegando a bola da mão do falecido Satoshi Kon, e provando que nem só de Hayao Miyazaki vivem os animes longa-metragem que merecem ser vistos por aqui.

Continua...
 
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