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Crítica: Cloverfield - Monstro


A premissa de um monstro à solta em uma metrópole icônica parecia algo com muitas chances de fracassar em um filme lançado no ocidente em 2008, considerando, por exemplo, o que a versão norte-americana de Godzilla causou no público e crítica. Mas, definitivamente, não é este o caso de Cloverfield, filme que estreou nesta sexta-feira nos cinemas brasileiros.

Logo que o filme começa, com a tela de “colorbar” e o aviso de que “esta gravação pertence ao Departamento de Defesa dos EUA”, notamos que não se trata de uma narrativa convencional, mas sim de algo no estilo de outro filme que provocou semelhante hype em sua época de lançamento: A Bruxa de Blair. Ou seja, temos um filme contado em forma de “vídeo-amador”, no qual Hud, melhor amigo do protagonista, Rob, está documentando a festa de despedida do segundo. Rob vai para o Japão ser vice-presidente de alguma companhia que não é claramente revelada no filme, e as primeiras cenas de Cloverfield parecem ser nada mais do que um vídeo caseiro qualquer, apresentando os personagens que vamos acompanhar quando a ação de fato começar.

Assim como foi comentado por alguns críticos mais “intelectuais”, não há um roteiro inovador, uma história original ou grandes conflitos em Cloverfield. Trata-se de um filme de monstro japonês, porém formatado para a geração atual, com elementos que fazem a diferença. Ou seja, a história é a seguinte: um monstro ataca Nova York de surpresa, pessoas tentam entender o que acontece e sobreviver. Simples assim. Porém, aos nos colocar na companhia de meras testemunhas que sabem tanto quanto o espectador sobre a tragédia que se desenrola na trama (ou seja: nenhuma informação), o filme prende totalmente a atenção, assim que entendemos a paixão de Rob por Beth e o conflito entre os dois. O primeiro susto acontece e tomamos por nossa a preocupação de Rob em reencontrar Beth em meio ao caos em que se transforma a cidade em questão de segundos.

O que devemos esperar de um filme como Cloverfield? Com certeza não seria uma obra de arte de grandes profundidades existencialistas ou temas sociais relevantes. Mas sim 84 minutos de entretenimento e adrenalina com um certo ar de inovação. E é aí que entra a equipe da Bad Robot Productions, produtora de J.J. Abrams, uma das principais mentes por trás do fenômeno da televisão dos últimos anos, o seriado LOST. E como poderíamos descrever a fórmula de sucesso de LOST? Certamente como uma trama que nos faz ganhar apreço pelos personagens para depois colocá-los em situações inexplicavelmente inóspitas e em seguida alternar momentos de revelação com pausas que só fazem com que o suspense e a vontade de ver e saber mais aumente.

E assim ocorre em Cloverfield. Com certeza um dos grandes lances do filme é a ansiedade em vermos a criatura que está provocando terremotos, explosões e ruídos intimidadores pela cidade. Mas no decorrer da jornada de nosso time de sobreviventes (Hud, o cinegrafista; Rob, o rapaz que vai ao Japão e procura por Beth; seu irmão Jason e a namorada Lily; e ainda Marlena, a garota sempre bêbada que “nem devia estar lá”), o monstro que os aterroriza vai sendo revelado pouco a pouco. Um relance aqui, outro ali, em meio a explosões, pessoas correndo, gritos de desespero, fumaça, prédios caindo e a câmera tremida de nosso cinegrafista amador que com certeza não estava preparado para a situação. E o envolvimento com o filme só tende a aumentar. Seria possível maior semelhança com LOST?

Outro aspecto que torna Cloverfield diferente dos demais filmes é a falta de preocupação dos produtores em revelar os detalhes por trás do surgimento do monstro. Alguns pontos-chave são jogados no ar através dos diálogos dos personagens em meio à correria, que podem muito bem ser suficientes para um espectador ocasional. Mas para os cinéfilos mais envolvidos (ou mais nerds mesmo, por assim dizer) há um universo de pistas a explorar. Tal qual ocorreu (mais uma vez) com LOST, um ARG (alternative reality game – jogo de realidade alternativa) expandindo a trama do filme foi lançado na Internet meses antes de sua estréia. Através de sites criados pela produção (como este), vídeos no Youtube simulando comerciais de produtos existentes no enredo do filme (como a bebida japonesa Slusho, que teria papel fundamental na criação do monstro) e flashes de telejornais, cabe aos “jogadores” montar as peças deste quebra-cabeça. Aliado a isso, também no melhor estilo Lost, há os “easter-eggs” presentes no filme que aumentam esse caráter místico, como algo muito bem escondido durante a cena final (veja por sua conta e risco de spoiler).

Esta fusão de diferentes mídias contemporâneas para contar uma história é algo que foi lançado com sucesso em LOST pela equipe da Bad Robot e que já influenciou outros filmes, séries e demais produtos no mundo inteiro. Até mesmo a MTV brasileira tentou copiar a estratégia há pouco tempo atrás. Mais uma das ferramentas que torna Cloverfield um sucesso para a geração digital, desenvolvendo toda uma mitologia que já rende comentários sobre uma possível seqüência. Parabéns para o trabalho do diretor Matt Reeves, do roteirista Drew Goddard, do elenco por mostrar atuações convincentes, e da produção e idealização de J.J. Abrams – uma das “mentes nerds” que vêm ajudando a recriar a mídia do entretenimento neste início de século XXI. Resta saber se Cloverfield se imortalizará como ícone da cultura pop cinematográfica nos próximos anos.

Considerações finais e curiosidades:

- Algumas pessoas em cinemas norte-americanos disseram sair com tontura e náuseas das salas de projeção devido ao efeito frenético da câmera de mão utilizada no filme. Alguns cinemas chegaram até a colocar avisos na entrada alertando sobre os possíveis sintomas. Confesso que fiquei um pouco incomodado no início do filme, por estarmos acostumados com uma filmagem “profissional”, mas logo acostumei. Além disso, este é um elemento essencial para o filme.

- O ator T.J. Miller, que interpreta o cinegrafista amador Hud, chegou a filmar de verdade cerca de um terço das cenas do filme. Aproximadamente metade deste material foi aproveitado na edição final.

- Com certeza este é um filme para ser visto em um cinema, e de preferência um cinema digital, com som Dolby e uma imagem de qualidade. A ambientação na sala de cinema é algo muito difícil de ser reproduzido com televisores e, como este não é um filme cujo ponto-forte é a história em si, essa característica tem importância fundamental.

- Como o filme procura reproduzir uma narrativa documental, não há trilha sonora, com exceção das cenas durante a festa de despedida de Rob. Estas músicas foram reunidas em um cd intitulado “Cloverfield - Rob’s Party Mix” e distribuído a convidados de um evento de lançamento do filme em Nova York. O disco não está sendo comercializado.

- Um série em mangá está sendo lançada em quatro volumes no Japão. Intitulada “Cloverfield/Kishin”, a série funciona como prévia da história do filme, tendo como protagonista o estudante colegial japonês Kishin. Estranhamente sem previsão de lançamento no ocidente.

- As adaptações nacionais de títulos continuam se superando... Sempre fazendo questão de explicar e resumir o filme já no título para o suposto público brasileiro burro e preguiçoso: “Cloverfield: MONSTRO”??

Continua...
 
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