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Dissecação de um filme - Assassino a Preço Fixo (The Mechanic 1972)

Atenção: O post a seguir contém spoilers pesados do filme Assassino A Preço Fixo. Se você pretende assistir a refilmagem que estreia no Brasil em 11 de março, siga lendo por sua conta e risco!

O Segredo de Brokeback Mountain foi um romance homossexual situado num cenário improvável: o mundo dos caubóis americanos, simbolos da masculinidade nas terras do tio Sam.Mas, o filme com Heath Ledger é recente, feito em uma época em que preconceitos têm dado lugar a tolerância. E se nos anos 70, no auge do cinema policial violento e cru de clássicos como Dirty Harry - Perseguidor Implacável ou Operação França, surgisse algo um pouco mais enrustido, mas que fosse tão gay quanto a história de amor dos dois vaqueiros? Pois é, surgiu. E protagonizado por ninguém menos que Charles Bronson, no auge de sua carreira como herói de ação.

A década de 70 foi um período em que a liberação sexual começava a crescer, vindo principalmente do movimento hippie, que pregava a tolerância e respeito independente de cor, opção sexual ou credo. Foi graças a essa abertura que movimentos surgiam pedindo direitos iguais. No cinema, filmes como Um Dia de Cão (1975) de Sidney Lumet, tratavam da questãocom muita naturalidade. Porém, este clássico com Al Pacino tem um público alvo que permitia essa abordagem, diferente de Assassino a Preço Fixo, de 1972. Voltado para o espectador de filmes de ação, que tinha em Dirty Harry seu mais recente exemplar de herói durão, o filme mostra Charles Bronson como Arthur Bishop, um assassino de aluguel que faz amizade com o filho de um velho amigo, Steve Mckenna, interpretado por Jan-Michael Vincent, e vê no rapaz um provável substituto para quando o momento de sua aposentadoria chegar.

A primeira cena em que os dois se encontram se passa na casa do amigo do personagem de Bronson. Eles estão bebendo e o rapaz aparece. O primeiro take mostra Bronson ao fundo, longe, quando de repente, surge Steve, ou melhor, seu traseiro. Corta para o próximo take, plano fechado no rapaz, sugerindo uma troca de olhares com Bronson. Corta para Bronson, que vê o jovem e a cena também sugere uma troca de olhares. Confira a sequência de imagens abaixo.

Logo depois, Bronson vai para um quarto de hotel onde encontra uma moça que o espectador logo deduz ser uma namorada ou antiga paixão. Ela reclama de sua ausência e lê uma carta de amor pra ele. É notável a falta de sentimento de Bronson, e quando a mulher começa a chorar, ele se comove, a abraça e ela o beija. Ele, aos poucos passa a desviar a cabeça, olhando pra cima e ignorando as carícias dela. Em seguida a põe no colo e a leva pra cama. Era muito comum nessa época, principalmente nesse tipo de filme, uma cena de nudez ou até mesmo do ato sexual, para reforçar que aquele seria um personagem extremamente masculino. Aqui, por outro lado, temos um corte já para o dia seguinte. Bronson está terminando de se vestir e a mulher ainda está dormindo. Ele arruma o cabelo várias vezes e pra terminar, deposita uma quantidade de dinheiro numa caixa, revelando então que sua parceira é uma prostituta. Quando está indo embora, ainda reclama para que da próxima vez, a carta seja mais educada.

Na sequência, o protagonista vai até um parque aquático e sofre um desmaio. O médico que o atende na emergência desconfia que o diagnóstico tenha sido um ataque de ansiedade e sugere que Bronson procure um psicólogo. Seriam sinais de que o assassino está com crise de consciência ou que o "machão" começa a ter dúvidas quanto a sua masculinidade?

A cena seguinte mostra Bishop de manhã em sua casa. Ele se levante e percebe um carro parado em frente. Sai de roupão vermelho e vai até o veículo. Supreende Steve, e o chama para entrar. Após algumas cenas dos dois saindo para pilotar um avião, jogar squash e beber num bar, Bronson finalmente explica a natureza de sua profissão. O rapaz se mostra interessado e o protagonista resolve então treiná-lo para ser seu ajudante e, talvez, seu substituto. O espectador vê então uma cena em que os dois estão treinando tiro. Logo depois da exibição de quem usa melhor a espingarda (não preciso explicar o significado dessa cena, certo?), duas cenas surgem de forma muito curiosa. Bronson leva seu pupilo para um museu de cera e depois para um jantar num lugar bem sofisticado. Praticamente o programa padrão para um casal de namorados.

As próximas cenas mostram o assassino viajando para a mansão de seu empregador, que o repreende por envolver alguém novo em seu serviço. E passa para ele uma missão na Europa. Ao voltar pra casa, a primeira coisa que faz é ligar pra Steve, e se decepciona quando este não atende o telefone. Como um profissional preocupado ou como um namorado ciumento, Bronson parte para a casa do rapaz e não o encontra. Porém, descobre uma ficha como as que ele recebe indicando seus alvos. A surpresa é descobrir que a ficha era sobre ele. Volta pra casa, sem levantar suspeitas. Corta para Bishop, de roupão. Steve entra e é indagado sobre onde esteve. Quando a resposta era que estava com uma garota, Bronson imediatamente corta o assunto, dizendo que não quer saber dos detalhes. Diz que seu proximo serviço é na Europa e o jovem se oferece para ir. A reação do protagonista não poderia ser mais apaixonada, quando abre um enorme sorriso: "Por que não?". Corta para Bishop deitado em sua cama no que deveria ser um momento de preocupação. Porém, a forma comoa cena é construída o situa num momento de frustração. Abraçado em seu travesseiro e fazendo bico, Bronson se sente traído.

Na Itália, começam os preparativos para eliminarem o alvo. Nada que impeça uma tarde romântica ao som de um cantor de rua, que toca e canta O Sole Mio.

Depois de toda a ação, o desfecho não poderia ser mais inspirado em histórias de amor impossível. Bronson está com as malas prontas para voltar para a América e se depara com seu aluno, abrindo uma garrafa de vinho. Os dois bebem, mas há algo errado. O experiente assassino sente um sabor estranho e um odor vindo da taça. Começa a passar mal e seu aprendiz explica o veneno usado. Ele tem poucos minutos e morre, ouvindo o rapaz se gabar de seu feito.

Sozinho, o aluno que agora deveria tomar o lugar de seu mestre, volta para os EUA e ao entrar em seu carro encontra um bilhete e também sua sentença de morte, ao terminar de ler, uma grande explosão toma conta de seu veículo, terminando com os dois personagens mortos.

Assassino a Preço Fixo é um filme quase único. Seu subtexto homoerótico talvez tenha passado sem ser notado na época de sua exibição, mas hoje é impossível assistí-lo sem percebê-lo. O diretor Michael Winner foi responsável também, neste filme, por coreografar uma cena de perseguição de motocicletas muito bem. É digna de cenas do gênero como o já citado Operação França e Bullitt. A sequência na Europa também foi muito bem rodada e lembra um pouco os filmes de James Bond com Sean Connery, na construção das cenas de ação e na fotografia.

Agora em 2011, em que os tempos permitem uma abordagem mais aberta do tema, a refilmagem com Jason Statham tem a chance de ser um filme diferente do original justamente na relação dos personagens. Ao invés do assassino enrustido, Statham poderia muito bem encarnar um herói de ação que não tem dúvidas quanto a sua sexualidade e vê no jovem Steve, agora interpretado por Ben Foster, mais do que um pupilo, mas a chance de ter um parceiro no trabalho e no amor. Dificilmente, porém, o diretor da nova versão, Simon West, partiria por esse caminho. Pois mesmo agora, em que o espectador deveria ser mais liberal, falta coragem em desconstuir o herói másculo, que se envolve em grandes perseguições, mas que a noite, quando ninguém está vendo, dorme abraçado com um travesseiro.

Continua...
 
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